sexta-feira, 3 de julho de 2009

Manifesto

O que me encanta no teatro é esta possibilidade de escolher. Assim, escolho para mim o Teatro de verdade. Aquele teatro que tenha o mínimo possível de efeitos, o mínimo. E que contenha a máxima teatralidade em si próprio. Que na figura do humano no palco se realize uma alquimia única: aquela em que a realidade da representação (da reapresentação) é mais vibrante que o próprio tempo cronológico. Que critique esse tempo, que revele esse tempo. Que nesse começo de século o teatro possa reafirmar o sentido essencial como bem mais evidente que matéria descartável. Quero trocar a fantasia da composição teatral pela presença viva do ator. Acredito na relação de nova realidade que se faz na força da presença viva do ator, engajado na história com suas idiossincrasias, sem recursos do fabricado, limpidamente como água na fonte. Os valores do palco muitas vezes estão povoados de valores de bastidor, de camarim. Quero o palco nu. Os figurinos, cenários e discursos radiofônicos muitas vezes acoplam parasitárias imagens no ator. Não quero decoração. Quero no seco. Com raiva decreto o fim do excesso. A pirotecnia mente. Quero sinceridade. No lixo o broche. No palco o peito. O ritmo e o espaço em si trazem diagramas teatrais vertentes de riqueza. Cervantes e a palavra, Beethoven e a nota, o teatro e o ator...
Como ator, autor, palhaço, minha preocupação sempre é o poder, as injustiças sociais, os comportamentos padronizados, a estética e a ética rançosa do sistema patriarcal capitalista. Cada vez mais estou menos interessado nos movimentos microcósmicos da sociedade. Cada vez menos cultivo ídolos. Cada vez menos acredito no best-seller. O senso comum está desmistificado no Brasil que pára para ver novela. Que elege seus mitos com os mesmos parâmetros com que reclama, invariável e passivamente, do governo. Essa sociedade que se protege no útero do padrão. Cada vez mais estou mais anarquista. Cada vez mais rio dos políticos (dos de profissão e dos de atuação). Cada vez mais me salvo pelo caminho pessoal, individual, único. Aos meus ex-alunos sempre digo, se me perguntam o que fazer: inventem, porque os princípios estão rangendo, há algo de podre em todos os lugares. Trabalho pelas gerações que virão, não tenho a menor crença no resultado imediato. Mas sei que o Teatro verdadeiro altera algumas bases do nosso mundo. Quero uma organização mais limpa da comunicação. Que se respire menos barrocamente nesta área. Odeio a maior parte das regras de nossa organização social. Considero antivida, com cheiro de mofo, todos os cânones comportamentais, o gosto da estética burguesa, a despersonalização de colonizado. A morna atitude de nossa nação mediocriza nossa experiência vital. Aí nossa cultura reflete esse cômodo respirar consumista, essa falta de diversidade. Esse pequeno clube de interior, que é nosso ambiente cultural, se ressente. Ser artista aqui exige que se enfrente o solitário desejo pessoal de mudar, de inventar, de renovar. Quanto ao mercado, sobreviver dentro dele já é outra perspectiva. Igual a qualquer outro mercado. Acrescido do abandono do que seja arte numa Republiqueta.
Artista tem ouvido de tuberculoso. Político é sadio. As pessoas pensantes, não as que não gostam de pensar, mas as que saboreiam o cérebro e acariciam a alma, estão muito preocupadas. Com o vírus, com o fim. Tudo está muito urgente agora. Os valores se atropelam. Há muitos espetáculos de teatro que olho e penso: mas isso é pré-Aids, agora não é mais assim.
Estou mais apto hoje, para os inimigos. Me sinto mais categorizado com a raiva sem fim que trago contra a banalização, o superficial. Convivi muito com o suicídio mental para despertar hoje os princípios da sobrevivência com know-how. Escolher e alimentá-los. A ilusão morreu. Depois recolhemos a placenta e a comemos como vaca. Amamentou-se o feto. Deu no que deu: maturidade. Aceito o fim como presente de poderosos: somente kharmas autônomos o enfrentarão com criatividade e vitalidade. A verdade hoje assumiu-se como passaporte para o amanhã.

Assim na arte como na vida. Porque pra mim é o mesmo.

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