sábado, 8 de agosto de 2009

À meu pai

Carta Para Si Mesmo
Danilo Dal Farra Ribeiro


E como se praquele menino
valesse a eternidade de cada pedra que existe,
fez uma casa delas, bem pequenas,
mas cada uma.

De valor tão inestimável
que não poderia existir concretamente.

Das pedras ouvi histórias
de uma esperança romântica
que se fez vivida numa realidade concreta.

Cada pequena tem sua versão,
mas todas dizem do menino-Deus-humano
que queria mudar o mundo.

Mudar o mundo é muita coisa.

E ali ele se deitou,
no telhado de sua primeira casa,
a ensinar os filhos a contar estrelas,
como quem contempla uma infinita missão.

Dançou e girou ao som dos poetas
que falavam palavras suas.
Embalou suas crias no colo
enquanto dirigia rumo a esse infinito que abriu.

As pedras colhidas,
cada vez mais longe,
contam de um navio que descobre mares.

Todas as roupas foram lavadas ali mesmo,
ao abrir de novos nasceres,
novos sóis.

Encontrou terras e correu sobre elas,
empinando pipas e entregando-as
aos novos meninos,
que não mais precisariam ir a venda
buscar café.

Jogou-os por cima do ombro
a caírem nas águas
que caía sozinho.
Tinha que dividir a alegria
que não teve de ser menino.

Deus-homen-super-homem.
Mudar o mundo é muita coisa.

Continuou a escalar colinas
com eles no cangote
para que vissem horizontes
que não o foram mostrados.

Caiu de pé tantas vezes
mordendo a mandíbula
para que não o socorressem.
Nos olhos de seus filhos
fez brilhar todas as sensações
que não pudera viver.

Menino-Deus-humano.
Carne e osso.
De levantar paredes
ganhou calos de vida.
Mudando paisagem
na força do punho do dia-a-dia.

Fez jardins.

Aí escorre dele a lágrima calada.
Sentado, corre pra si,
e volta ao trabalho.

Menino que fez brilhar o sonho de tanta gente.
As pedras, as estrelas, a água...
E o jardim? E o vento? E a varanda?
O fogão de lenha? A rede?

A vida é uma carta
que a gente escreve
pra gente mesmo.

E no meio da noite
o menino pega seu lápis
e senta no chão
ao lado das brasas
do fogão de lenha e começa:

“Filho, se um dia ler esta carta,
saiba que escolhi não cumprir
o destino que me deram.
Se vou morrer um dia,
vou morrer pela vida.”




Nunca vi uma pedra mentir
E tem uma certa alegria nisso
Pois elas confessavam, cúmplices,
segredos desse menino.

Uma mão a mim e a outra a tudo que existe.
E assim vamos os três,
graves como convém
a um Deus e a um poeta,
recolhendo as próximas.

Desenhou um sol.
Um sol mal pintado.
Feito à mão.
E me ensinou a rir do simples
e me emocionar com ele.

Aquele sorriso do menino me intrigava.
Um entendimento puro.

Mudar o mundo é muita coisa.

Aquele sorriso me gerou um momento inacabado.
Não por falta de fazer, mas pela generosidade
de se permitir ser continuado.

Guardei o presente.

Hoje sigo esse caminho que é também desse menino.
Ele segue sorrindo em meus sonhos,
como se soubesse onde vai dar essa estrada.
Ao meu lado descubro outros olhos que se fazem brilhar.
Talvez centenas, que um dia também sonharam com ele
e respiraram dessa esperança, dessa coragem.

Uma mão pousada sobre o peito
que constrói toda uma casa
de pequenas pedras,
com lareira e coberta.

Pra que, algum dia, que tu sabes qual é,
se encontre consigo mesmo
a entregar essa carta.
E que esse seja seu melhor momento.

(Inspirado em “O Guardador de Rebanhos” de Alberto Caeiro)

Dedico a meu Pai – o menino.

Um comentário:

  1. E se eu te confessar que as tuas palavras me fazem ver o mundo modificado?
    Lindo texto... Lindo você!

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